domingo, novembro 13, 2005

Entre a pausa de " Atiremo-nos de Cabeça" o resto da maneira como observo o Mundo continua...

 Lembro-me de qantas coisas foram uma delícia porque tive e tenho a cabeça a circular em volta de lanças, donzelas e gigantes que são moinhos, ou moinhos que são gigantes.
Quantos “vou” e “não vou” ficaram só pelo gosto e desejo de enfrentar os meus distintos medos que são tão próprios do estar velho e só, como se quisesse escrever cartas de despedida?
Será o espaço marcado e demarcado pela presença de um ilusório terreno de conquista?
Meu coração!
Quantos batimentos aflitos te restam?
Quais são os que prestam?
Quantos bafos te restam dos que prestam?
Por quem te derrubas ou vences?
Por quem dormitas e te excitas?
Quem são afinal os gigantes por quem te precipitas?
Quantas mais alucinações habitam o teu imediato, meu coração?
Serei eu mil personagens?
Mil maneiras de te sentir?
Não sequer tenho olhos tristes de mau cavaleiro derrotado, a batalhas obrigado. Eu luto porque vivo, e lutando conquisto a liberdade de poder ser quem eu quero ser. A minha vida é esta. Lutar e sonhar.
Portanto…
Portanto e contudo…
Finalmente te encontro desequilibrado, meu coração, como se fosse só a morte a origem de todas as desgraças.
Que força existe para além da tua, coração?
Olhos que contemplam Dulcineias, cabeça e mãos que te suportam?
Que pés e loucuras te movimentam se és só instrumento de corpo, pequeno rocinante ou peça de armadura insuficiente?
Até quando?
Até onde irás sem ser Dom Quixote?
Até onde?
Pega em armas e cavalo e apressa-te a ver o que ninguém mais consegue ver.
Será que hoje te inventei triste, meu coração?
Ou és já um manifesto do que te faltaria de bom cavaleiro?

sábado, novembro 12, 2005

O que faz falta

De Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)


Lisbon Revisited
-l923

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!