quinta-feira, novembro 16, 2006

O Filme, ainda... - V


Cena 2


Entra James com um cigarro na boca e à procura do isqueiro. Procura nos bolsos de cima, depois nos bolsos das calças. Não o encontra. Tira o cigarro da boca e faz como que uma apresentação de Jim.

James – Este é o Jim. O Jim é um tipo que tem a mania que é artista. Para ele tudo se resume ao génio. Mas o importante mesmo é que as pessoas cheguem a um ponto em que, ter dez minutos de conversa na rua com ele, é um privilégio. Ou seja, futuramente todos deverão estar cientes de que ele é um tipo deveras interessante. Mais. É uma irresponsabilidade não ouvir as reflexões realmente inteligentes que ele tem para partilhar. Costuma sentar-se no Café Rouge. É tão viciado naquele sítio que se o mundo acabasse amanhã lá estava ele ao balcão a observar os rapazes a jogar. Nunca o vi pegar um taco de bilhar mas está constantemente a fazer comentários, sempre muito activo. – “Joga à amarela e manda a branca para cima da mesa. Não. A vermelha não. Põe a três no buraco do fundo e puxa a oito para trás.” O Jim tem uma daquelas bicicletas antigas, toda preta, igual à dos velhos. É mais para impressionar. Tal como o exemplar de “A Origem da Tragédia” de Nietsche. As raparigas estrangeiras que por cá aparecem para os seus “holidays” adoram vê-lo de livro na mão, com um daqueles pequenos rádios para gravar a voz. “Diário de Jim, 14 de Março de 1978. Vagueio pela Praça do Município…” A verdade é que as pessoas cansam-se rapidamente dele. Nos primeiros cinco minutos de diálogo surge a conversa dos diplomas e dos cursos que tirou mas nunca trabalhou a sério para ninguém. De quarta a sábado trabalha no Teatro Central a desentupir sanitas e é o responsável pelo bom funcionamento dos autoclismos. Aos domingos vai pôr flores à mãe. Diz que dá sorte. O resto do tempo passa-o em casa ou comigo. Não somos grandes amigos, mas não nos damos mal. Sempre que posso ganho dois ou três pintores à custa dele. O que está cada vez mais difícil. Há cerca de duas semanas conheceu uma rapariga e nunca mais o vi. (Dirigindo-se para a porta da entrada.) Disse-me que não era nada de especial mas dormiram juntos e tudo. De certeza que está apaixonado.
É um tipo que fala muito, o Jim. Ultimamente quando apareço por cá a primeira coisa que me diz é, “O que é que tu queres”- e a verdade é que me irrita bastante quando o diz.

James sai do palco e logo a seguir ouve-se tocar à porta.