segunda-feira, abril 01, 2024

Sobre a Coragem e a Cobardia...

A sorte a desempenhar o seu papel na vida que se escolhe. 

Esperar pela sorte é convidar o que apelidamos de azar a desempenhar o papel de actor principal  na nossa vida .  E há quem ame as consequências da vida que se escolhe, numa forma de pensar tão simples e tão resignada a uma única verdade: Esperar.

Diz-me o que é verdade.
Falemos como dois amigos (actor e público, como dois amigos).

Há já dois anos que não chorava. Vá! Riam à vontade. Riam-se do meu choro como riram sempre dos meus sonhos.

Então não viste a cara deles? - Dizem-me atrás do biombo. - Isto não é boa gente. Não tem sorte.
Não gostavas de ver a sorte. De vê-la como uma coisa real, palpável, racional?

Quantas vezes vou ter de morrer para não ver isto, encontrar isto?

Na multidão dissipam-se as nossas vidas, na multidão tudo deixa de ter uma importância individualizada.

Se conseguires dançar, cantar, saltar, então não precisas de sorte.

quarta-feira, maio 24, 2023

Uma espécie de sopro, depois do coração pulsar.

E se um dia acordasse de mãos dadas aos teus olhos, ainda que num esforço ténue de tentar desprender-me do teu sorriso rosado, real e doce? Há uma ausência de som que é apaixonadamente desconcertante, e há no teu sopro de voz, um deslumbramento violento na verdade de ver-te. 

segunda-feira, março 25, 2019

Se ela sorrir...


Sentir-me só em forma de gotas no dia em que me morreste. Morreste-me ou mataste-me. Morreste-me ou mataste-me, e perdoa-me se nunca cheguei a compreender. Sim, perdoa-me, pois não compreendendo nunca quis que me morresses ou nunca deixei que me matasses, e não querendo, lutei vezes sem conta, vezes de mais, para que te lembrasses sempre de mim. Pedir-te que não te esquecesses de mim, constantemente nunca foi tão difícil, por me lembrar de como estávamos sempre juntos. Ainda peço, como se houvesse à frente do tempo, um encontro de olhares, um encanto qualquer no pedir que nos encontremos na casualidade dos acontecimentos da vida. Não sei de momentos em que não te queira lembrar. E no entanto creio que no pensamento há uma realidade que, tendo tanta força como têm as emoções do coração, me diz que na verdade já não estás aqui. 

quinta-feira, fevereiro 14, 2019

Cair no vazio é encontrar o infinito que enche a alma.



Eu nunca guardei rebanhos,
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estacões
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Com um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. 
Saúdo-os e desejo-lhes sol
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar, 
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Alberto Caeiro

terça-feira, janeiro 08, 2013

2010 e o vazio até 2013

Uns dois anos depois... de regresso a Lisboa, de regresso ao Teatro, mas ainda sem o regresso ao blogger...

quarta-feira, março 24, 2010

Monólogo de uma Vida pouco Adormecida II

Fico e vicio-me no levantar-me tantas e tantas vezes quantas as que consigo continuar.
Parece-me uma rotina compulsiva sentar-me de dez em dez passos numa banheira alada.
E a hora perde-se no meu gesto.
E o remexer na espuma de sabão que trago no rosto desenha círculos em câmara lenta.
Mas naquele tempo o tempo esperava, ou era-lhe imposto que esperasse.
A percepção de toda aquela fatídica e inútil nudez levita quando me apercebo que fiquei, não por querer ficar, não por não querer dormir.
A nudez levita como se fosse parte dissociável de mim.
E não gosto.
E não gostando sei que o sono um dia há-de vir, sem se preocupar demasiado com insónias ou histórias de rotina.
Fico demasiado tempo no mesmo movimento ou na mesma posição.
Observo os reflexos de pessoas que passam interiormente nas fendas da janela sozinha.
Quando a vontade de pensar em todas estas coisas passa, surge o pior de todos os momentos. E sinto-me só. E provavelmente não sinto nada. E isso é indecifrável, para alem de ser sufocante.
Nessas alturas balanço-me, agito-me.
Tudo é razão para uma irritação cheia de vaidade.
E aperto as mãos uma na outra, acariciando num só momento todos os meus anéis.
E penso, e sinto e minto, inventado que nada tem um sentido normal, inventando milhares de razões para abarcar uma vida terrivelmente absurda magnifica como a que tenho.
Isso, magnifica.
Pois que só assim é possível superar e acordar na indiferença de tudo.
E não durmo.
Não por não querer.
E fico. Agora sem saber se por querer ficar.
Passo o tempo com o tempo.
Fácil, é.
É tão mais dócil.
Se bem que nessas alturas ao lado do mundo envelheço a um ritmo insuportável, nada agradável, ainda que seja tão mais bonito.
Eu agora canso-me desmedidamente.
Atiro-me de encontro ao chão de forma despropositada.
Porque me agito.
Por não dormir no descanso do corpo.
Porque fico.
E a cama onde repouso é mais aborrecida do que eu, porque sei que me aborrece, porque não existe nela a semelhança a outras tantas camas de almofadas branqueadas e ela nem almofada tem, imagine-se.
Estranho, é.

quarta-feira, março 03, 2010

...como eu observo as coisas...


Eterno movimento.
Posição de pensamento profundo, como estar
Presente e ausente.
A subtileza do olhar que conquista o centro de toda a atenção.
Eternamente debruçado sobre o cansaço e um assento.
Pensar intuitivamente como um vício natural que

Associo ao remexer do ar.

Sintonia de gestos suavemente decorados com leveza,
Com suavidade, sem esforço algum.

Um mundo visto desta posição é perfeito,

É o verdadeiro presente, é um mundo qualquer,

Um Saturno, Marte, um planeta sem nome, um
reflexo perfeito.
Na frente do corpo um Universo, almas, Sócrates,
Símia,
Cebes, um debate de compreensão.

E eu calmo, observo profundamente em posição
De importância suprema o meu exterior.
É físico e é uma construção cénica de um acto
Representativo.
Só uma posição.
A perspectiva da imagem é estática.

Não há mais expressões para além do impossível
Que foi dar-lhe expressão.


Olhos abertos.

Lábios separados, ligeiramente colados nos cantos românticos.

Dói-me ter o cepticismo embaciado, desactualizado.

Dói-me não estar profundamente interessado.

Dói-me não saber interessar-me, angustiar-me,
Contar os dias de chuva.
Dói-me pelo que perco, pelo que tenho, não o tendo conquistado.

Dói-me estar fixado, alienado, destinado a isto,

Ao que é parecido com isto.
Isto.
Isto. Isto.
- “ Janeiro, Fevereiro, Março, Abril adiante. “

Máquina de páginas.

Estar ausente é mais fácil.

Assim é mais fácil.
A dinâmica não se vê mas existe.
Há dinâmica no passar os olhos da esquerda
Para a direita, a caneta da esquerda para a direita,
Os livros da esquerda para a direita,

Pensar da esquerda para a direita.

Há dinâmica.
O que é que tudo importa?
Estou na montra e tudo passa da esquerda para
A direita, o mundo passa da esquerda para a direita.