quinta-feira, julho 20, 2006

Fábrica do "Tudo"

As coisas hoje estão a correr-me um pouco mal.
Se fosse um pouco mais velho não aguentaria o ritmo do coração a bater, pois está a ficar cansado e eu também.
E como não existe um valor para lhe dar eu digo que bate por três ou quatro pessoas, talvez porque sinto a falta de alguém.
Mas é ai que tudo falha.
Nem penso que o faço propositadamente.
Agora mesmo estive a escrever sem saber se realmente me apetece.
E não, não me apetece.
Mas às vezes é através da confusão de sensações que as coisas ficam mais bonitas. E depois de tanto tempo ouvimos outra vez alguém a dizer:
- “ Hei! Tapa-me.
Como é que disse?
- “Apaga a luz.”
São os senhores, outra vez a bater com as peças de um dominó nas mesas do café.
E ao fundo da rua fazem-se mosaicos para apagar a fome durante dois dias.
- “ Nada de bicicletas. Só dentro da cabeça.”
É então que se começa a descobrir o poder dos sonhos.
Depois cresce-se, e muitos dos sonhos ficam.
Mas agora são mais fáceis de realizar.
Eu sim, posso dizer que fui feliz, a lutar desde muito cedo, sem perceber que estava ali qualquer coisa.
Quando me perguntavam onde é que eu dormia, eu respondia que “tinha sido por ai, por entre uma multidão de sorrisos a aclamar o nome preferido.”
E dizem-me depois que sou estúpido porque penso nas coisas vezes sem conta?
Estou deveras comovido comigo.
Trago as horas sobre os olhos e a indecisão de me ir embora amanhã, dentro das barbas.
Tudo misturado com alguma criatividade.
Há coisas difíceis de compreender ainda que eu me esforce como um louco, e nem sequer me vi um dia a dizer este tipo de coisas, a preencher o limite das causas e efeitos com mais algumas teorias.
Eu sei que é confuso.
Mas compreende-se.
Perfeitamente.
Só tenho pena de estar cansado, mais no espírito que no físico.
Oiço música a todos os momentos.
E a acompanhar as notas lentas da mesma canção de sempre, vem um rosto pálido a perguntar:
- “ A senhora sente-se bem? ”
Sim, creio que se sente bem.
Mas proíbo-a de me dizer que estou agarrado à chantagem emocional que nunca sinto.
Só porque me dou ao trabalho de falhar não admito que me apelide de cavaleiro de triste figura, como aquele Dom qualquer coisa de Quixote de quem muito gosto e admiro.
A senhora não compreende bem toda a gente.
Sinceramente não compreende absolutamente nada.
Ou então compreende deveras tudo e eu é que ando o tempo todo a sonhar.
Então é isso.
Eu é que ando a sonhar.
Deve ser porque me irrita estar bloqueado nas decisões.
E não, não é demais dizer que se os olhos estão suados de trabalhar os sonhos, o pensamento agradece.
E mais uma vez:
- “ A senhora sente-se bem?”
Não duvido que sim.
Permite-me o sentimento ter pena pelo que sou, sem qualquer falsa emoção, porque quando há coisas diferentes para sentir e observar, as ideias misturam-se com as memórias, e pedimos desculpa a todos por estarmos sentados, sem fazer absolutamente nada, nem pensar em nada, nem dentro da cabeça.
E eu... nada faço!
Nada, ainda que me esforce.
E esforço é muito mais do que eu próprio penso.
- " A senhora! Sim, a senhora! "
A senhora reflecte apenas as imagens e os gritos que come, sem nunca reclamar demasiado, e pensa que os pode associar a uma ou outra condição desprezível.
As coisas aqui têm um cheiro diferente, e se se tiver coragem de caminhar durante duas horas seguidas para apreciar o movimento das pessoas felizes, ganha-se tudo.
Talvez eu não me tenha tornado sensível às coisas que vejo e a tudo o que se movimenta de um modo diferente, mas digo que sim, porque assim o sinto e porque oiço infinitas vezes aquela frase.
- “Compreenda minha senhora que não minto sempre.”
Nunca ninguém chega a construir um argumento suficientemente válido que esteja apto a contar a história de tudo.
E tudo, é mesmo tudo, contando com o que está dentro da cabeça.
E se ser paciente faz parte de alguma virtude, então é necessário ouvir tudo, e não há no final qualquer galardão que nos apraz.
Melhor seria saber que se nasce, que se vive, que se morre.
Por mim, prefiro de vez em quando, ir abrir a porta de casa que dá para o lado da rua, olhar para um lado e para outro como se as coisas que vejo mudassem a todos os momentos.
E é realmente viciante.
Para além de nunca se perder a vontade de o fazer:
- “ Abrir e fechar a porta, abrir e fechar a porta, muitas vezes, vezes sem conta, perde-se a conta da porta a bater.”
Chegar a perder a calma, mas não totalmente.
Há que precaver a alma de algum bom senso ou então cai-se no desespero.
No outro lado surge mesma pergunta:
- “ A senhora, sente-se bem? Se tem vergonha do que está a pensar, terá certamente Vergonha do que está a sentir.”
A senhora foi-se deitar.
Não levou excesso de protagonismo, nem palavras para dormir.
E eu...
Deitei-me com ela noutro dos meus sonhos, mas o homem que dormia por debaixo da minha cama fazia muito barulho. Assim que tive de o abanar, como um louco, juntamente com a cama, dizendo-lhe de forma extremamente educada:
- “ Desculpe. Está a roncar tão abusivamente que penso estar a fazê-lo de propósito. Nessa perspectiva peço-lhe que morra.”
E na manhã seguinte o homem morre mesmo.
Coitado.
Um verdadeiro absurdo.
E ridículo também.
A história do “Tudo” de que há pouco falei parece agora mais confusa e sem coerente raciocínio, mas são as únicas, e quiçá verdadeiras, concepções de diálogo que trago dentro da cabeça.
Não admira pois que os senhores ao fundo do salão não aplaudam o que digo, e se palmas as houvesse, seriam fracas, ou então duas ou três pessoas a esforçar as mãos para nada.
E o “nada é coisa que não justifica quaquer aplauso.
- “ A criança está a fazer muito barulho ” – dizia a minha mãe enquanto eu me preparava para tentar dormir.
- “ Pois põe-na nos pés da cama ” – dizia-lhe eu irritado porque também ela não se calava.
E alem disso, agora, tenho frio.
- “Que chatice. Lá está a criança outra vez com o choradinho.”
Eu espero que o sono chegue.
Claro que para mim o sono só chega quando há silêncio, portanto, contudo, ou seja, já sei que vou continuar a ouvir por mais alguns instantes:
- “ Dorme diabo! ”
E ai lembro-me finalmente da origem deste raciocínio muito pouco lógico. É que fiz um pacto com os sonhos.
“Que só se dorme em condições.”
Talvez agora pense que fui demasiado exigente.
Não que isso me preocupe, mas imagino não poder dormir com a senhora durante nove dias e nove noites.
De facto é um exagero.
Mas ainda bem que sei admitir o quão alucinado estou para me tornar exigente.