segunda-feira, fevereiro 15, 2010

... Como sempre...

A senhora Chá desapareceu há uns longos dez anos. Nos meus sonhos pensados e acordados sonho infinitamente com os seus vestidos, com o cheiro que tinham, com os pormenores ou com as formas com que ela presenteava esses vestidos. Eram sempre os mais bonitos, e os mais admiráveis de todos, como ela dizia. E eu contemplava-os mesmo nas histórias desordenadas que ela me contava em tempos de visitas e de chás.

- Sabes! – disse-me na última noite que a vi – Há um espaço inatingível onde todos os seres representam a melhor imagem de si. E na imagem de cada um recriam aspirações e devaneios de um interior íntimo e distante de tudo o resto. E eu creio que isso é que é sonhar e creio que é o mais terno e genuíno gesto do “existir”.

E tudo o que existe, existiu e pertenceu na sua totalidade a essa definitiva noite, a esse fascinante entendimento sobre o “terno e genuíno gesto do existir”.

... às vezes gracioso, o pó das lembraças

Gostava de estar contigo um dia destes, gostava de estar contigo agora, porque sinto que com medo de qualquer coisa ficamos mecanizados no nosso discurso e na forma de conversarmos um com o outro. Gostei quando me telefonaste no outro dia a contar todas as coisas que tinhas encontrado. São memórias de um tempo não tão longínquo mas tanto se passou entretanto que parece que já passaram cinquenta anos.
Também gostava de ver essas coisas e rir-me! Rir-me de mim, da personagem que era, daqueles tempos em que tudo era difícil, estranho... meu deus! Já me dá vontade de rir só de pensar.
Gostava de te encontrar um dia destes e dizer-te que estou bem, que estou tão bem, que tenho tido tão boas e grandes revelações sobre a vida, sobre as pessoas, e saber que no fundo olharás para mim sempre da mesma forma. Talvez vá ser sempre um pouca daquela menina que conheceste.
Penso muitas vezes em ti e em como estarás. Não penso em mais nada. Há um hiato, um buraco vazio na minha memória em relação a ti, a nós. De certa forma é isso que permite que ainda falemos e que sejamos uma espécie de melhores amigos ad eterno.
A imagem que tenho de ti é quase como que um bombeiro da minha vida. Há algo que sei, por mais que se afaste.
Há sempre uma coisa específica que nos liga a pessoas específicas, uma procura mesmo inconsciente seja do que for, de uma explicação, de uma resposta.
Já ninguém escreve a ninguém.